História da Igreja e Cultura Religiosa

28-08-2012 16:27

Introdução.   

 “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha  igreja, e as portas do hades não prevalecerão contra ela...” (Mateus 16:18).  

Muitos cristãos estão dentro das igrejas sem ao menos saberem como ela foi constituída. É comum ouvirmos de alguns cristãos esta afirmação: “Foi Cristo quem instituiu a igreja!”. Sem dúvida foi Ele mesmo o idealizador. Mas, saber isto é suficiente? Diante de tantas igrejas espalhadas por este mundo, não seria inteligente saber algo a mais? Você já observou que certas igrejas vivem, como se não existisse mais nenhuma outra igreja no mundo? Você já se perguntou em até que ponto, a igreja que você faz parte, está dentro do plano bíblico? E por falar em plano bíblico, qual é o verdadeiro? Será que todas  denominações existentes vivem segundo a Palavra de Deus? Qual igreja Cristo virá buscar?

Não tenho a pretensão, de neste estudo, dizer se esta ou aquela igreja é certa ou errada. Este julgamento, não cabe ao homem. Jesus sabe quais são os verdadeiros salvos, e no grande dia final, o Justo Juiz, fará com que todos saibam quem está certo ou errado. A idéia é mostrar que Eclesiologia é uma doutrina que pode, e deve, ser conhecida por aqueles que fazem parte de uma igreja. Ser arrolado a um grupo denominado “igreja”, é muito mais sério e importante do que muitos pensam. A igreja não é uma instituição humana, e isto faz dela um grande canal que pode conduzir o homem à Jesus Cristo, e Dele à Deus.

Os que estudam Eclesiologia, mostram um interesse e um amor maior à igreja de Jesus Cristo. Nosso objetivo é mostrar que a igreja de Jesus é composta de pessoas especiais, portanto, a igreja é especial. Deus seja louvado! Exaltado seja Jesus, o autor da igreja!!!!

 

1. A identidade da igreja.

 

Sempre ao associarmos Deus ao homem, em se tratando de relacionamento, podemos afirmar que Deus, o Criador, não só se preocupa com o relacionamento entre o  homem  com Ele, mas também entre os homens uns com os outros. Isto é afirmar que o relacionamento com Deus está relativamente, ligado com um corpo comunitário de pessoas (ver, Gn 2:18; 9:8-9; 12:1-2; 15:1-5; 28:14), estes textos bíblicos são exemplos da pluralidade de pessoas, no relacionamento entre a criatura e o Criador. Mesmo que muitos homens tenham se destacados individualmente, uma coletividade sempre esteve no propósito de Deus.

Quando Deus resolve dar uma outra chance ao homem, devido a queda no Éden, a igreja fez parte do plano. Isto porque a igreja pôde, através do seu Senhor, religar o homem à Deus. A igreja, não só faz com que o relacionamento do homem e Deus seja correto, como ao mesmo tempo, transforma os homens, genericamente, em um corpo mais unido. Por esta razão a igreja é tão importante para a humanidade. Isto não significa que a igreja seja mais importante que Jesus Cristo, mas, ela tem um papel de extrema importância na vida dos seres humanos.

 1. 1. Conceito.

 A Palavra “igreja”  encontrada no Novo Testamento vem da palavra grega “Ekklesia”  (Ekklesia) que significa “um grupo chamado para fora” “convocado” ou “assembléia”, não religiosa em seu sentido literal; como exemplo, podemos citar a passagem bíblica de Atos 19:39 onde lemos as seguintes palavras: “E se demandais  alguma outra coisa, averiguar-se-á em legítimaassembléia (ekklesia).”

O melhor conceito para “Ekklesia” traduzido como igreja no Novo Testamento é: Um grupo de pessoas que foram chamadas à parte, ou para fora de outro grupo de pessoas, com um propósito específico. No caso dos cristãos, um grupo de pessoas que foram chamadas para Jesus, em comunidade, que reconhecem o Seu senhorio como legislador da igreja.

Partindo deste princípio, podemos conceituar a igreja em dois sentidos ou de duas maneiras.

 

1. 1. 1. Igreja universal de Jesus (igreja invisível).

 

O primeiro conceito encontrado no Novo Testamento é o que define como igreja, de uma forma geral, todos os salvos, não só os do presente, mas do passado e também do futuro.Ou seja, faz parte da igreja universal de Jesus ou igreja invisível todos os verdadeiros salvos de todos os tempos, de Adão até nos finais dos tempos, observe a seguinte referência bíblica: “... à universal assembléia e igreja dos primogênitos  inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos  justos aperfeiçoados” (Hb 12:23).

A igreja é chamada de universal porque é composta de todos os verdadeiros salvos de todos os tempos e de todos os lugares. Invisível porque, nesta condição, não pode ser vista e nem colocados os seus membros juntos. Esta é a igreja referida em todos os textos bíblicos com associação pessoal com Deus Pai ou Jesus (Mt 16:18; 1Co 15:9; Ef 5:25; e outras).

1. 1. 2. Igreja local (Congregação).

 

É possível fazer parte de uma igreja local, e não se estar incluído na igreja universal de Jesus. Em várias passagens bíblicas onde se encontra a palavra “Ekklesia” traduzida para igreja, está se referendo a uma congregação ou uma igreja local (At 8:1; Rm 16:16; 2Tes 1:4 e outras), neste sentido, encontramos noventa e dois casos registrado no Novo Testamento. Quando perguntamos a um cristão onde é sua igreja, imediatamente lhe vem à mente o endereço do local onde ele se reúne com outros cristãos para cultuar a Deus. Sendo assim, podemos conceituar a igreja local da seguinte maneira: Um grupo de pessoas chamadas à Cristo  que se reúnem em um determinado local (em sua maioria um local fixo), com a finalidade de viver em comunidade, tendo plena certeza do senhorio de Jesus Cristo sobre eles.

1. 1. 3. Sempre se referindo à pessoas.

 

Sempre que a Bíblia usa a palavra “Ekklesia” traduzida para igreja, está se referindo a pessoas, nunca a um edifício. Tanto a igreja local como a igreja universal de Jesus, são chamadas de igrejas, porque a composição de formação é feita de pessoas chamadas para Jesus Cristo, e principalmente em Jesus Cristo (1Pedro 2:1-10). Isto é afirmar que: onde quer que estejam este grupo será sempre chamado de igreja. 

Quando somos questionados a respeito dos trabalhos da igreja onde congregamos, respondemos sempre pensando nos fatos ocorridos dentro ou próximo das “quatro paredes”. Quase não pensamos no que tem acontecido fora dela, por onde os membros têm andado e vivido. Não podemos proibir um jovem casal de namorados a ficarem namorando dentro do templo, e permitir que fora dele possam fazer o que quiserem. Se determinadas músicas não podem serem ouvidas e nem tocadas dentro do templo, porque serem liberadas do lado de fora? Não estou dizendo que nossas atitudes, no local de reunião, devam ser de igual modo que agimos, certas vezes, fora dele. Estou dizendo que devemos viver, como igreja, onde quer que estivermos, dentro ou fora do templo. A igreja é assim denominada por causa dos seus escolhidos, não por existir um lindo edifício. 

No Brasil somos privilegiados com o direito de termos um local específico para adoração à Deus. Antes, em alguns países , um mesmo edifício era usado como local de adoração à Deus (por denominações variadas), e em horários diferentes, era usado por outras instituições não religiosas para suas reuniões. Quando um grupo de irmãos se reúnem num ginásio de esportes, para louvarem a Deus, enquanto ali estiverem, o local será um local santo e separado para que Deus ali se manifeste.

Eu, particularmente, tenho observado que muitas igrejas não compreendem muito bem esta realidade. Tenho visto pessoas vivendo dentro da igreja onde não pode nem respirar direito, mas ao saírem da “presença de Deus”, fazem o que bem entendem. Sem dúvida alguma, o templo é um local santo, mas muito mais santos são os que compõem à igreja. 

“Mas vós sois a geração eleita,o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós que outrora nem éreis povo, e agora sois povo de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, e agora a tendes alcançado. Amados, exorto-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências da carne, as quais combatem contra a alma; tendo o vosso procedimento correto entre os  gentios, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de  malfeitores,  observando as vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação” (1Pe 2:9-12).

 

Curiosidades:  

Þ  A palavra “Ekklesia” traduzida para igreja, só aparece em um dos evangelhos, Mateus 16:18 e 18:17, no primeiro caso, a primeira vez que Jesus usou esta expressão, e também no Novo Testamento.

Þ  A Palavra “Ekklesia” aparece no Novo Testamento 115 vezes.

Þ  Por duas vezes, esta se refere à congregação hebraica do Senhor (At 7:38; Hb 2:12).

Þ  Por Três vezes está se referindo à assembléia grega (Atos 19: 32, 39, 41).

Þ  As outras colocações encontradas (110 vezes), referem-se à igreja cristã, e em grande maioria trata-se de uma igreja local.

 

1. 2. A origem da igreja.

 

Para se identificar qualquer instituição, é imprescindível que se conheça sua origem, mesmo que basicamente. A igreja, como a mais importante das instituições, teve seu ponto de partida. A igreja universal de Jesus teve sua origem juntamente com o plano de salvação, ao formar o homem. Porém a igreja cristã, propriamente dita, teve uma origem bem depois disto. Estaremos observando os principais fatores que marcaram a origem da igreja.

 1. 2. 1. Sua origem profética.

 

A nação de Israel foi a igreja de Deus no Antigo Testamento; e esta, ao ser escolhida e “chamada para fora” dentre outras nações, foi separada para servir e adorar ao Senhor. Deus sempre quis se comunicar através dos seus escolhidos, a “igreja” de Deus existente no Antigo Testamento.  O Maior problema desta igreja foi ter rejeitado o Senhor da igreja. “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam (João 1:11)”. A congregação do Senhor rejeitara o Senhor da igreja. Jesus foi enviado aos seus, e estes rejeitaram o Salvador.

Um outro detalhe que deve ser observado, é a profecia feita por Joel, onde lemos as seguintes palavras: “Vós, pois, sabereis que eu estou no meio de Israel, e que eu sou o Senhor vosso Deus, e que não há outro; e o meu povo nunca mais  será envergonhado. Acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda  a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos (velhos) terão sonhos, os vossos mancebos (jovens) terão visões; e também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito” (Joel 2:27-29). Haveria um tempo onde o Espírito Santo de Deus seria derramado sobre os homens. E muitos poderiam viver no domínio do Espírito. Não seria privilégio de poucos, não só os profetas e poucos homens teriam suas vidas tomadas pelo Santo Espírito. O Senhor Deus almejava ver toda nação de Israel sob o Seu domínio espiritual. Sem dúvida, nestas palavras de Joel, estava a profecia sobre o “derramar sem igual do Espírito”, que cumpriu-se literalmente a partir daquele dia de pentecostes; mas, podemos de certa forma, associar esta profecia com o aparecimento da igreja cristã, pois, depois deste acontecimento, os que confiavam em Jesus, começaram a viver como igreja.

1. 2. 2. Sua origem histórica.

 

No capítulo primeiro do livro de Atos, encontramos uma das passagens bíblicas que deve ser examinada com muito carinho pelos interessados em estudar a origem histórica da igreja cristã.

A ordem de Jesus era que os seus seguidores ficassem em Jerusalém (Atos 1:4; Lucas 24:49) até que o Espírito Santo fosse derramado. A ordem foi cumprida “ao pé da letra”, os Apóstolos, e os demais seguidores de Jesus, não só ficaram em Jerusalém aguardando o cumprimento da profecia, mas, como estavam juntos, oravam (Atos 1:14). Com um total de aproximadamente 120 pessoas reunidas com o mesmo propósito (Atos 1:15), temos a impressão de que o corpo físico estava formado, nos deixando a idéia de que a primeira igreja cristã e local, estava à se formar. No entanto, só podemos afirmar oficialmente a formação da igreja, no dia de Pentecostes, onde a promessa se cumpriu. Esta profecia se cumpriu exatamente no dia de pentecostes (Atos 2:1-13), quando o Espírito Santo é derramado e as pessoas que estavam reunidas no cenáculo são tomadas, interiormente, pela Pessoa que haveria de ser o outro “Consolador” (João 14:15-17).

Com a descida do Espírito Santo, concedendo poder aos que já criam em Jesus (Atos 1:8); o sermão do Apóstolo Pedro, onde quase três mil almas se entregaram à Jesus Cristo (Atos 2:41); formada basicamente de judeus convertidos; na cidade de Jerusalém; da-se início a primeira igreja cristã, a igreja de Jerusalém.

Nota:

Estaremos separando um capítulo para estudarmos, com mais detalhes, a História da igreja Cristã.

 

1. 3. Títulos bíblicos dados à igreja cristã.

 

Podemos chamar de títulos bíblicos dados à igreja, algumas colocações usadas na Bíblia que se refere à igreja cristã. Observe:

 

1. 3. 1. O povo de Deus.

 

“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;  vós que outrora nem éreis povo, e agora sois povo de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, e agora a tendes alcançado” (1Pe 2:9-10).

 

É impossível desassociar o povo de Israel, chamado carinhosamente por Deus de “sua propriedade peculiar”, ou melhor, propriedade particular e intimamente ligada ao dono(Ex 6:7; 19:5), da igreja de Jesus. A aliança feita com Deus, através de Jesus (Ver, Tito 2:14), dá o mesmo direito, ou melhor, privilégio, de sermos chamados de Povo de Deus. A Igreja é reconhecida como uma verdadeira Nação de Deus.

 

1. 3. 2. O corpo de Cristo.

 

“Ora, vós sois corpo de Cristo, e individualmente seus membros”(1Co 12:27).

 

Este título parece ser o preferido do Apóstolo Paulo. Na realidade, entre Jesus, o fundador e idealizador da igreja, e a comunidade cristã (ou igreja), existe uma ligação muito íntima. Quando pensamos nesta colocação, o corpo de Cristo, podemos afirmar com muita convicção que a igreja cristã é muito mais que uma instituição. É um organismo vivo! (Ver, 1Co 12:12-31).

 

 

1. 3. 3. A noiva de Cristo.

 

“Regozijemo-nos, e exultemos, e demos-lhe a glória; porque são chegadas as bodas do Cordeiro, e já a sua noiva se preparou” (Ap 19:7).

 

“E vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que descia do céu da parte de Deus, adereçada como uma noiva ataviada para o seu noivo” (Ap 21:2).

 

É interessante observarmos que esta metáfora comparativa, onde os servos de Deus são associados a uma noiva, é destacada já no Antigo Testamento. A nação de Israel é descrita algumas vezes como a noiva de Deus (Isaías 54:5-8; 62:5), até mesmo como uma noiva infiel (Jeremias 3; Ezequiel 16). Em alguns dos ensinamentos de Jesus, a mesma figura de linguagem é usada (Marcos 2:18-20; Mateus 22:1-14). Em muitas outras passagens no Novo Testamento, a igreja é apresentada como a noiva de Cristo, e o noivo, por sua vez, é dado como modelo exemplar aos homens de uma forma geral (Efésios 5:25-28).

 

No Apocalipse, João descreve como noiva a igreja já preparada para encontrar com o Noivo Jesus Cristo (Observar versos transcritos no começo deste tópico). Quando pensamos na igreja comparada com uma noiva, devemos pensar na responsabilidade explícita. A noiva deve ser fiel a qualquer custo, porque o Noivo é fiel; a noiva deve amar com todas as suas forças, porque o Noivo assim a ama. A igreja deve reconhecer a importância de ser comparada a uma noiva.

1. 3. 4. A família de Deus.

 

 “Assim já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus” (Efésios 2:19).

 

Podemos imaginar a igreja como uma grande família, onde Deus como o Pai, cuida de todos. Em 1Timóteo 3:15, Paulo descreve a igreja como a casa de Deus, dando um aspecto familiar. No mundo material, para se fazer parte de uma família, é imprescindível nascer dentro dela ou, de certa forma, por meio de adoção. O critério principal para se fazer parte da família de Deus é primeiramente o novo nascimento (João 3:5), gerando uma nova vida no Espírito (Ver, Romanos 8:14-17).

Este relacionamento familiar traz à igreja uma segurança enorme. Jesus conforta os seus discípulos fazendo uma metáfora comparativa entre os lírios do campo e os passarinhos com os filhos de Deus; assim como Deus cuida carinhosamente deles, muito mais cuidará de seus filhos(Mateus 6:25-34)

 

1. 3. 5. O rebanho de Deus.

 

Podemos dizer que a igreja é o rebanho de Deus porque em algumas passagens bíblicas, encontramos afirmações claras que declaram Jesus como Pastor (1Pedro 5:4; 2:25; Hebreus 13:20).

A igreja como rebanho de Deus, tem em seu Pastor a proteção de um pastor que deu a vida pelo rebanho (João 10:11). A igreja como rebanho de Deus, conhece a voz do Pastor verdadeiro (João 10:14). Jesus como Pastor, dá segurança; alimento; conforto. Em retribuição, as ovelhas confiam neste Pastor; porque sabem que Nele se pode confiar.

 

Igreja e Inculturação

Evangelização – Inculturação

Na obra de evangelização de várias Igrejas, os povos indígenas nem sempre tiveram suas culturas respeitadas. Ao longo dos séculos, missionários, militares e mercadores foram estritos aliados numa sangrenta colonização de exploração e imposição religiosa dos primeiros habitantes dos cinco continentes.

Onde a conquista pela espada avançava, as populações eram obrigadas a tornar-se cristãs. A necessidade da sujeição pela força era uma convicção muito forte para os missionários que evangelizaramos territórios colonizados.

Só algumas vozes proféticas levantaram-se corajosamente em defesa dos indígenas, causando alvoroço e escândalo no meio da sociedade branca. Mas não conseguiram mudar o quadro geral da prática missionária.

Hoje em dia, a ação evangelizadora e a reflexão de vários setores de muitas Igrejas têm convicção de que é preciso percorrer outros caminhos para anunciar a Boa Nova de Jesus. O Evangelho não deve ser imposto, mas semeado e descoberto na sabedoria dos povos. A Igreja não deve mais ser implantada, mas brotar da terra fértil das diferentes culturas e das tradições milenares.

A palavra "inculturação" tornou-se importante para expressar a presença radicalmente renovada da Igreja missionária: o Evangelho é anunciado para se tornar um princípio que anima, guia e unifica as culturas, transformando-as e renovando-as a partir de seu interior até produzir uma nova criação.

O trabalho dos missionários e das missionárias junto aos diferentes povos é marcado não mais pela superioridade cultural e espiritual, mas pela proximidade, pela gratuidade e pela solidariedade para com as lutas e os projetos de vida de todas as comunidades.

INCULTURAR,
fgfgfgfgfgfgfgfgfgfg verbo divino

Costanzo Donegana

O relacionamento do Evangelho com os povos indígenas é um assunto tão antigo quanto a história do cristianismo. Desde o início de sua trajetória, a Igreja teve que dialogar não apenas com as grandes civilizações da época, a grega e a romana - identificadas com as cidades -, mas também com os chamados povos da aldeia (pagus, do latim, daí o termo pagão). Estes últimos foram os que mais resistiram à nova religião.

Esse fenômeno do início é emblemático. Coloca-se no sentido oposto à história das missões nos séculos sucessivos, sobretudo a partir de 1.500. De fato, na época moderna o cristianismo conseguiu adeptos entre os seguidores das religiões tradicionais, como na África, mas poucos frutos recolheu entre as grandes religiões, originárias, sobretudo, da Ásia.

Há um elemento em comum entre as culturas dos povos indígenas em qualquer parte do planeta: são profundamente religiosas, ao ponto de a religião impregnar a vida desses povos. Esse aspecto é extremamente importante na hora de a Igreja propor o Evangelho. Caso contrário, pode vol-tar a repetir o erro de querer começar da estaca zero, ou de considerar as outras re-ligiões desprovidas de elementos positivos ou "primitivas".

A história mostra que a Igreja e a maioria dos missionários enquadravam a religião dos povos indígenas (e também as grandes religiões) no "paganismo" e na idolatria. "De tantas grandezas da fé o que sabe o pobre idólatra? Nem o nome. Feito à imagem e semelhança de Deus, ele se degrada à estupidez dos brutos insensatos. Criado para o céu, não vê nada, a não ser a terra, chamado à eterna beatitude, corre, de olhos fechados, à eterna ruína". Assim se expressava José Marinoni, diretor geral do Pontifício Instituto para as Missões (Pime) em 1863.

Meio século depois, o próprio papa Bento XV, na encíclica missionária Maximum Illud, repetia que a finalidade da missão era "levar a luz àqueles que habitam na sombra da morte e abrir o caminho do céu àqueles que se precipitam para a destruição".

À exceção de algumas personalidades de Igreja (Raimundo Lúlio, Bartolomeu De Las Casas, Matteu Ricci, Roberto de Nobili.), foi essa a mentalidade comum dos missionários e dos cristãos (católicos e evangélicos) a respeito das outras religiões.

Tal convicção era conseqüência de dois preconceitos: um de caráter religioso e outro cultural. O primeiro consistia na idéia de que, para se salvar era necessário pertencer à Igreja, através do batismo e da profissão explícita da fé em Jesus Cristo. Arte litúrgica no Benin: a cura do paralítico

Essa era a interpretação rígida da máxima extra ecclesiam nulla salus (fora da Igreja não há salvação). O preconceito cultural consistia na convicção da superioridade da cultura ocidental cristã sobre todas as demais.

A sociedade cristã servia de medida às outras sociedades. É claro que, com tais premissas, o relacionamento dos cristãos com as outras religiões não podia acontecer como entre iguais, mas como entre superior e inferior, entre quem tinha tudo e podia dar e quem não possuía nada e só podia receber. Os missionários tinham a convicção de que a religião ensinada por eles era oposta às religiões "pagãs". Estas deviam ceder lugar ao cristianismo.

Há um elemento em comum entre as culturas dos povos indígenas em qualquer parte do planeta: são profundamentes religiosas, ao ponto de a religião impregnar a vida desses povos Dança durante uma sessão de vodú

Esse contexto "viciou", em certo sentido, o trabalho missionário. Muitas vezes, o Evangelho foi apresentado sob uma roupagem européia, que nem sempre permitia vê-lo na sua essência pura e profundamente libertadora. Isso impediu também a descoberta da presença de Deus nas religiões não-cristãs, realizando a missão em termos de ruptura, e não de continuidade.

No entanto, não seria correto imaginar a história da missão como um simples colonialismo cultural e religioso ou uma aliança entre a cruz e a espada. As comunidades cristãs na África, Ásia e América Latina testemunham que, apesar dos limites da mentalidade da época, a semente da Boa Nova foi plantada pelos missionários, com dedicação e até na doação da vida.

Às vezes, faz-se uma leitura deformada do fenômeno das religiões tradicionais pelo fato de a Igreja não conseguir sintonizar-se com as manifestações dos povos indígenas, que são expressão mais de uma linguagem simbólica, corporal, intuitiva do que da razão pura. As definições de Deus dos africanos, por exemplo, não entrariam em nenhum capítulo de um tratado teológico, de antes e depois do Concílio Vaticano II.

Deus é "a folhagem que cobre o mundo inteiro". É a "fonte que nunca seca", "a nascente que sacia plenamente". Essas são imagens que atingem o ser humano todo e descrevem o que Deus é para nós. Não o definem por aquilo que é em si mesmo, como acontece entre os ocidentais. O curandeiro lava o doente com água quente, fazendo-a passar através de um maço de junco para esfriá-la

Para os povos indígenas, a religião está enraizada em suas vidas. A realidade é vista integralmente. Não há separação entre o sagrado e o profano, o secular e o religioso, o material e o espiritual. A religião está presente em toda atividade cotidiana.

Respeito e conhecimento - Com o Concílio Vaticano II (1962-1965), a relação entre a Igreja e as religiões tradicionais mudou radicalmente. Passou-se de uma visão negativa das religiões não-cristãs a uma atitude de respeito e de reconhecimento que "não raro refletem um raio daquela verdade que ilumina todos os homens" (Nostra aetate, a Declaração do Vaticano II sobre a Igreja e outras religiões).

Grandes passos foram dados e se chegou à seguinte conclusão: "É através da prática daquilo que é bom nas suas próprias tradições religiosas, e seguindo os ditames da sua consciência, que os membros das outras religiões respondem afirmativamente ao convite de Deus e recebem a salvação em Jesus Cristo, mesmo se não o reconhecem como o seu Salvador".

Essa afirmação é oficial e consta no documento "Diálogo e Anúncio", do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Há quem foi mais longe, afirmando que as religiões são "caminhos de salvação" para seus adeptos.

O perigo é considerar o diálogo inter-religioso apenas entre as grandes religiões, como o judaísmo, o islã, o hinduísmo, e esquecer as menores. Estas seriam destinadas a desaparecer diante da avançada da cultura moderna e a expansão das grandes religiões. Aparentemente, as coisas estão mesmo assim: "Com o desaparecimento das estruturas étnicas, sociais e políticas, muitos rituais da religião tradicional estão mortos ou moribundos.

Porém, as crenças, os conceitos e os valores religiosos tradicionais são mais tenazes do que se pensa. As idéias antigas sobrevivem sob formas novas", analisa o teólogo Aylward Shorter.Acontece que a religião tradicional exerce influência sobre a maneira de pensar dos intelectuais e está presente na vida de cristãos e muçulmanos. Em muitos casos, constitui novos movimentos religiosos, como as milhares de Igrejas independentes na Nigéria e na República dos Camarões na África.O encontro entre cristianismo e religiões tradicionais é complexo. São vários os motivos e de ambos os lados. Em relação ao cristianismo, há o problema que ele ainda se apresente, sob vários aspectos, com um rosto ocidental. Mais de quinze séculos de monopólio cultural europeu na Igreja deixaram marcas profundas, que impregnaram o seu modo de pensar, suas estruturas, o seu relacionamento com as outras Igrejas e religiões. Isso bloqueia um pouco a capacidade criativa de poder imaginar uma outra maneira de ser Igreja e de encarnar o Evangelho fora da forma na qual se apresentou até agora.

As religiões tradicionais, por outro lado, podem apresentar, misturados com uma profunda inspiração religiosa, elementos supersticiosos, uma atmosfera de medo, práticas incompatíveis com o Evangelho. Seria ingênuo exumar o mito do "bom sel-vagem", idealizando as culturas e religiões tradicionais e exagerando os limites da sociedade moderna.

Nova Mentalidade

Os preconceitos contra as religiões tradicionais se manifestam nos nomes com os quais, muitas vezes, elas são definidas

Religiões primitivas: Em contraposição às "grandes religiões", caracterizadas por doutrina e ritual organizados, fundador e livros sagrados. As "religiões primitivas" estariam num nível inferior, de uma religiosidade pouco evoluída, com manifestações grosseiras e materiais.

Paganismo: Antigamente, eram consideradas pagãs todas as religiões fora do cristianismo, do judaísmo e do islã. Pagão seria quem não conhece a Deus e adora os ídolos.

Animismo: O nome vem do latim "anima" (alma) e atribui aos seguidores das religiões tradicionais a ideia de que os objetos e os animais possuem alma ou espírito. Isso é verdade, mas só em parte, porque as religiões tradicionais atribuem alma ou espírito só a determinados objetos ou animais. Cristianismo, judaísmo e islamismo consideravam as religiões tradicionais primitivas, pagãs e idólatras

Idolatria: Seria o culto das estátuas e das imagens que reproduzem as divindades. Mas nas religiões tradicionais africanas, por exemplo, existe um universo complexo, que compreende a crença no Ser Supremo, nos antepassados, nos deuses inferiores, nas potências e nas forças naturais.

Também admitindo uma identificação dos deuses inferiores com as imagens, isso não representa toda a religião, mas só uma parte. A mesma coisa deve ser afirmada em relação ao culto dos antepassados, que pode ser comparado com o culto dos santos no catolicismo. Como ninguém pode acusar os católicos de adorar os santos ou de reduzir a religião ao culto dos santos, assim é desrespeitoso reduzir as religiões tradicionais ao culto dos deuses inferiores ou dos antepassados.

ALÉM DO FOLCLORE

São dois os canais a partir dos quais a comunicação entre cristianismo e religiões tradicionais poderia sair reforçada: o diálogo e a inculturação. Os preconceitos contra as religiões tradicionais resultaram em descaso quanto à possibilidade de diálogo entre elas e o cristianismo. O fato de uma conversão fácil ao cristianismo, em comparação com a dificuldade de penetrar nas grandes religiões, favoreceu a idéia de sua identidade frágil e, portanto, de sua inaptidão a um diálogo sério.

No entanto, os valores que essas religiões possuem podem ajudar o cristianismo a se expressar melhor sobre o mistério de Deus, a falar dele de uma maneira mais rica e capaz de atingir não só a inteligência, mas também as outras faculdades do homem.

Além disso, o forte sentimento comunitário dessas culturas corrige as deformações individualistas da prática cristã em favor de uma recuperação do espírito e da experiência de comunhão. Porém, esse diálogo deve ser vivido no dia-a-dia. Caso contrário, ficará estéril. Na verdade, não existe um relacionamento entre cristianismo e religiões tradicionais, mas uma relação entre os cristãos e os fiéis das outras religiões. Até porque, sendo a dimensão humana e religiosa nas culturas desses povos intimamente unidas, o diálogo não pode ser só intelectual, mas global, envolvendo todos os aspectos da existência.

O diálogo não pode se fechar em um discurso sobre Deus e a religião. Deve, sim, abrir-se à dimensão do Reino de Deus. A Igreja é chamada a descobrir o potencial libertador das religiões, de seus ritos e mi-tos. Ao mesmo tempo, deve ajudá-las a se libertar daquelas crenças que aprisionam as pessoas no medo, e das tradições que impedem a possibilidade de progresso.

As culturas desses povos olham para o passado, que é a tradição dos antepassados a ser repetida fielmente. "O passado, um passado mítico e divinizado orienta nossas culturas", afirma o estudioso africano Hamidou Kane. No caso do cristianismo, a história é projeção para o futuro, a partir da experiência fundamental da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Para as culturas tradicionais, a vida é um movimento circular, que volta sempre ao ponto inicial; para o cristianismo, é uma linha reta, aberta para o infinito.                   Momento de dança e música num vilarejo em Bangladesh

Isso não afasta o cristianismo das outras religiões, como poderia parecer, porque coloca todos no horizonte do Reino. O Reino é um dom, e, por isso, não é monopólio dos cristãos, porque o Pai o semeia, sem medida, no campo da humanidade: todos os homens e mulheres, todas as culturas e religiões fazem parte dele.

O encontro entre cristianismo e religiões tradicionais acontece realmente, quando mergulham, juntos, nos problemas e desafios da sociedade, operando concretamente na luta pela justiça e caminhando para a criação de uma só família, a família de Deus, onde todos - das diferentes culturas e religiões - são irmãos e irmãs.

Atualmente, a palavra inculturação entrou na linguagem corriqueira da missão. Porém, ela está apenas engatinhando

A inculturação é outro lugar de encontro entre cristianismo e religiões tradicionais. Enquanto o diálogo acontece entre as duas religiões que permanecem na sua plena identidade e não há movimento de "conversão" de uma para a outra, a inculturação se dá dentro do próprio cristianismo, que se encarna em uma dada cultura.

Podemos dizer que, concretamente, a experiência de inculturação na missão está acontecendo, sobretudo, no contato com as culturas e religiões tradicionais, entre as quais o cristianismo teve maior inserção. Para dizer a verdade, a imagem de inculturação que circula nos ambientes eclesiais parece mais ligada ao folclore do que a um processo de enriquecimento profundo: a adaptação de danças e instrumentos musicais, a introdução de símbolos e o uso de provérbios são meios não desprezíveis, claro, mas atingem só o exterior. Colocando a inculturação na linha da encarnação promovida pelo Cristo, compreende-se que se trata de atingir os níveis mais profundos que constituem uma cultura, nas organizações da sociedade, nos relacionamentos entre os homens e com Deus.                                      Capela da comunidade indígena de Gulalag perto de Riobamba - Equador

Atualmente, a palavra inculturação entrou na linguagem corriqueira da missão. Porém, ela está apenas engatinhando. Existem problemas de difícil solução, muitas resistências e medos em enfrentá-los. Apesar de tudo isso, há experiências promissoras em nível de liturgia, de ministérios, de organização das comunidades e de teologia.

Ritos e costumes

Em Nanka, aldeia da etnia igbo, na Nigéria, um cristão pediu que, quando morresse, sua mulher não fosse obrigada a observar as tradições do lugar.

Na sociedade tradicional Igbo, a mulher é comprada pelo marido e, por conseguinte, torna-se, literalmente, sua propriedade. Uma mulher sem marido não tem identidade. Quando o marido morre, a mulher volta à sua condição de não-identidade. Ela não é mais considerada como pessoa, sobretudo, quando não tem filhos. É punida como se fosse a responsável pela morte do marido. Deve beber a água que serviu para lavar o corpo do morto antes do enterro, cortar totalmente os cabelos, vestir roupa preta durante um ano, não pode usar nenhum perfume e deve circular com um facão sem ponta, como sinal da sua dor pela morte do marido. Outro costume em Nanka: a viúva não pode ver o marido antes do enterro.        Pequeno rei da etnia, felupe, Guiné Bissau, com suas duas esposas

Quando esse tal cristão faleceu, em 1993, um grupo de amigos de fé quis cumprir as disposições que ele deixara. Desse modo, a viúva participou de todos os ritos fúnebres. No entanto, um outro grupo da comunidade, decidido a seguir as prescrições da tradição, aplicou as sanções previstas para esse tipo de caso: desenterraram o cadáver e o sepultaram, de novo, em um lugar "maldito". A polêmica resultou em violência entre os dois grupos, deixando dois mortos e muitos feridos. Os missionários que atendiam à comunidade viram-se diante de grandes questionamentos: Qual é o tipo de relacionamento entre cristianismo e tradições locais? Como a fé pode interpretar um costume não-cristão? Que ensinamentos de fé foram passados pelos primeiros missionários entre os Igbo? Como o cristianismo e a religião tradicional podem dialogar entre si?

Para as culturas tradicionais, a vida é um movimento circular que volta sempre ao ponto inicial; para o cristianismo, é uma linha reta, aberta para o infinito.

 

 

Pb. Josenilson Faustino da Silva